(...) Ele diz: Eu te amo. E o que a gente ouve não é: “Eu te amo tanto quanto posso dentro das limitações dessa relação e desse momento de vida, dentro das minhas próprias limitações, dos medos e dos meus fechamentos.” A gente ouve: “Eu te amo totalmente, para sempre, sem que nada, antes ou depois do nosso encontro, supere esse sentimento”. Ele fala de si, e nós ouvimos o cosmos. Ele fala do hoje, e nós entendemos o eterno.
A culpa é nossa, então, por ouvirmos errado? Não. Ele também, ao falar dentro de sua pequena dimensão humana, está se iludindo com as grandes medidas. Ao dizer “eu te amo”, assume o papel do grande amante, torna-se o amor absoluto, encarnado.
(...) em matéria de sentimentos, essa noção acaba sendo subjetiva. O amor que é absoluto para mim pode não sê-lo para a pessoa à qual é dirigido. E isso porque, enquanto minha emoção amorosa me preenche por inteiro, dando-me a impressão de que não existe mais possibilidade de amor além dela, objeto do meu amor, que, por razões pessoais, não se sente por ele preenchido, pode considerá-lo insuficiente e, como tal, bem aquém do absoluto.
Além do mais, o amor não é inelutável. Não podemos viver sem ter nascido, nem podemos viver sem vir a morrer. Mas, apesar de nossas fantasias em contrário, podemos perfeitamente viver sem grandes amores, coisa que, aliás, acontece com a maioria das pessoas. O amor é parte da vida, mas apenas uma parte, e nem de leve tão indispensável quanto, digamos, a alimentação. À luz da realidade mais imediata, e, por mais que a idéia nos desagrade, o amor é uma necessidade menor.
Nem o amor é uma experiência única. A quase totalidade das pessoas abriga em sua vida diversos amores. E, embora o tempo e o distanciamento afetivo acabem por diluir nossa capacidade de revivê-los por completo na lembrança, conservamos, se não a emoção, pelo menos o registro daquela intensidade. Assim, a lembrança dos amores passados é vencida para permitir o acontecimento de novos amores, mas não é apagada.
Apesar disso tudo, e, apesar de sabermos disso tudo, continuamos querendo o amor absoluto. Mas há mais um empecilho na rota da sua conquista: a exigência da reciprocidade.
Em termos literários, um grande amor pode existir mesmo sem resposta; o amante suspira na sombra, se acaba de paixão, sem que o objeto de seus sonhos lhe dirija mais do que um olhar. Mas na vida real, o que queremos, para que o amor se complete física e efetivamente, é que o outro também nos ame. E achamos que nosso amor só se transformará realmente num amor absoluto, na medida em que a intensidade do amor do outro for gêmea idêntica da nossa intensidade.
O amor não é mensurável. A duras penas sabemos do nosso próprio amor, quanto mais daquele outro. O que acostumamos fazer para resolver o impasse é medir o amor do outro usando o nosso próprio amor como metro. Ele diz “eu te amo”. Nós respondemos “eu também te amo”. E deduzimos que as duas coisas são idênticas e que aquele amor, como a vida e a morte, representa um todo, como elas, indissolúvel, e, portanto, como elas, absoluto. Está demonstrado o teorema, como se queria.
Um perigoso teorema, na verdade. Porque, em cima dele e da sua inconsistência, começamos a construir justamente aquele castelo que queríamos mais sólido e mais seguro.
Marina Colassanti, E por falar em amor (com adaptações)