PARA NÃO ME PERDER NO DISCURSO DO OUTRO, DO PRÓXIMO, TENTO ENCONTRAR O MEU.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

João e Maria

Os sentimentos foram construídos pela linguagem do olhar. Não havia encontros de palavras ou toques. Havia na verdade uma barreira, um espaço que separava João e Maria. O rio perene dividia seus mundos, a água cristalina refletia ambas as imagens com uma perfeição de cores dos desejos mútuos. Sem pontes e barcos que pudessem promover uma aproximação, o amor foi nutrido no ritual diário de se olharem por alguns instantes, à margem do rio. A barreira tornava-se cada dia mais invisível, era como se fosse apenas um vidro transparente que naquele instante impedia que os dois comungassem um afeto, uma carícia. O importante é que havia algo singular, o olhar. “O olhar é muito mais do que função fisiológica. É uma linguagem forte. È um universo carregado de sentido. É condensação do mistério do homem. Relata o destino de muita gente. Provoca alterações decisivas na vida”. Seguro dos sentimentos, apesar das adversidades, João finalmente resolveu mergulhar no rio e partiu para encontrar Maria, lá do outro lado, na particularidade do seu mundo, seus mistérios e segredos... tomados pelo sentimento do amor, João e Maria, embalados pelo pensamento de Octávio Paz: “Amar é despir-se de nomes...” revelaram-se, e na cumplicidade finalmente das palavras - as promessas, os sonhos, os desejos, as prioridades... ambientados em contextos diferentes, João sentia-se preso e Maria via-se alçando vôos, descobrindo novos caminhos... ambos concretizaram o amor que outrora fora configurado no olhar. Semearam desde então a força torrencial da paixão e foram embebidos pela magia da felicidade, deleitaram-se no prazer, e no leito do amor, as júrias, os planos mas... João e Maria se perderam, é exatamente isso: se perderam... há situações que simplesmente nos fogem as explicações, ficam silêncios, dores, questionamentos. Reabilitados em suas realidades, certamente partilhando da mesma saudade, João e Maria se afastaram daquele rio que embora retratasse divisão também os aproximavam, e assim, reconstruíram com solidez vidas individualizadas. O tempo passou, e ambos seguiram seus destinos, levando um do outro, talvez saudade, a descoberta do amor, um pouco de dor, a ausência de um entendimento, um silêncio interpretativo, dúvidas... o rio caiu no esquecimento, João e Maria já não os visitava como antigamente, muito raramente por coincidência eles se viam cada um do seu lado, mas fugiam do olhar. Um dia João e Maria se reencontraram de verdade, corpo a corpo, e embora não houvesse mais a vidraça que lhes permitiam apenas o olhar, que fecundou a história de amor, João e Maria pareciam dois estranhos, negaram a presença da matéria e renunciaram para sempre o encanto daquele olhar... João e Maria sequer se encararam na busca de revelar seus monstros, suas raivas, suas angústias... certamente João e Maria temiam seus olhares, porque eles novamente poderiam revelá-los.
Acredito que João e Maria têm medo de descobrirem realmente a essência dos seus sentimentos hoje.
Não é difícil compreender as atitudes de João e Maria, eles são humanos, e o ser humano carrega consigo mistérios. Tudo isso na verdade, é um grande mistério. (HODIE)

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Uma lágrima

Nesta manhã, uma lágrima rolou me fazendo refletir sobre sua dimensão de significados. Ela representou purificação, renovação... outro dia lia algo de Mário Quintana que dizia: “há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer”, evidenciando que é melhor se arrepender de ter feito algo, porque teremos um retorno bom ou ruim, do que divagar em questionamentos internos pelo resto de nossas vidas na perspectiva do que poderia ter sido. È muito bom está completamente livre de remorsos e carregar um nível de satisfação perante as coisas um dia vividas e que através de flashs de memórias nos roubam o pensamento, a saudade ou uma lágrima... sorrir, assim como chorar são manifestações espontâneas, atrelada as sensações. Lembrar de algo ou alguém, da firmeza de um abraço, da comunhão de uma gargalhada, da partilha de uma dor, da suavidade de uma voz, de palavras sussurradas deságua sempre em expressões configuradas em lágrimas ou sorrisos, sorriso este tímido e bobo... reviver e trazer-te para perto através da lembrança, materializada na lágrima desta manhã é a representação sintomática de uma existência feliz ou não, que vai depender sempre da minha perspectiva diante das relações, dos comportamentos e das posturas e decisões tomadas... a lágrima exerce o sinônimo de parceria, ela sempre me acompanha seja nos estados de êxtase, euforia, alegria, dor ou sofrimento, às vezes, denota a coerência da fragilidade, por vezes, da resistência. As glândulas lacrimais, sempre fecundas promoveram hoje redenção. Sentindo-se livre a ao mesmo tempo isento aos remorsos, é fácil confessar o anseio de fabular novas histórias, readquirindo formas e jeitos imaginários... (HODIE)

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A Rosa e o Botão

Quando alguém encontra seu caminho precisa ter coragem suficiente para dar passos errados. As decepções, as derrotas, o desânimo são ferramentas que Deus utiliza para mostrar a estrada.
Paulo Coelho

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

"Para compreendermos o valor da âncora, necessitamos enfrentar uma tempestade." (Eleonor L. Dolan)

Carrego comigo uma enorme dificuldade de desprendimento de todos os sentimentos e carinhos que um dia foram materializados, sempre foi assim... difícil jogar na lata do lixo a velha agenda de telefones, o caderno inutilizável quando cursava o ensino infantil, a caneta que acabou a tinta, mas que está associada ao presente um dia ganhado... cresci, e até hoje mantenho numa caixinha, as cartas, os bilhetes, os cartões comemorativos, enfim, lembranças doces e amargas da construção de uma vida. Tenho todos os presentes, as cartas partilhadas, os e-mails recebidos. Às vezes sentado no meu quarto, revejo tudo isso e reencontro sorrisos, palavras, promessas... não se trata de fuga, nem de desejos, não sinto alegria eufórica, nem dor ou sofrimento, mas reconheço que preenche de certa forma, vazios... Confesso que gostaria de ser bem menos: menos nostálgico, menos exigente comigo mesmo, com os sentimentos, com a teimosia, com os afetos. Mas, como diria Florbela: “O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito...”. Sempre acreditei na reconstrução, e muitas vezes, construindo pensamentos, recorri numa espécie de subterfúgio ou esperança a temática sugestiva, mas a verdade é que nunca consegui reconstruí amores ou sentimentos... já tentei encontrar outras formas, novos jeitos e olhares diante das pessoas que marcaram de uma forma singular a minha vida, mas não mais as reencontro, porque além do corpo matéria, minha alma é enigma, é mistério, que aliados aos meus conceitos de um eterno romântico são contraditórios diante da atitude e da forma. Ser romântico é ser preso e livre, é entender uma dimensão de entrega, de busca, de ousadia, coragem e principalmente de transparência. É guerrear, lutar com todas as forças por algo ou alguém movido pela crença do amor. É marcar no instante, ratificar o carinho através da música, da palavra, da poesia. É despojar-se dos segredos, é ser, é ter (cor)ação!... já me disseram: “o teu problema reside na necessidade de retorno imediato”, “você é muito pegajoso”... são fragmentos que denotam meu jeito de amar. Affonso Romeno de Sant’anna no poema o amor e o outro afirmava: “não amo melhor, nem pior que ninguém / do meu jeito amo. Ora esquisito, ora fogoso, às vezes aflito ou ensandecido de gozo. Já amei até com nojo /...” E é exatamente assim, eximido de receios e medos que te busco incansavelmente, e quando é chegado o momento de sair de cena, fechar as cortinas e partir, me vem na lembrança versos de Quintana: “Amar é mudar a alma de casa”, e quando tudo escancara para o fim, estou em busca de uma nova morada, encontrando em Machado a explicação reflexiva do final: “esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em o que o destino, para escrever um novo caso, precisa de apagar o caso escrito”. Daí o quanto é perceptível que para mim, reconstruir é impossível, que embora carregando aquela caixinha de carinhos materializados, há a escassez de essência. Tudo foi consumido, extinguiu-se – pereceu! (HODIE)